Os Desafios Psicológicos do Cuidador Familiar

O adoecimento do cuidador familiar é uma questão crítica que muitas vezes passa despercebida, especialmente quando se trata de cuidados prolongados com pacientes acamados por muitos anos, seja por doença degenerativa ou incurável. Embora a atenção normalmente se concentre nas necessidades dos pacientes, o impacto emocional, psicológico e físico sobre os cuidadores é significativo e pode levar a sérios problemas de saúde. O cuidado de um familiar, especialmente de alguém que está acamado por um longo período, exige não apenas uma dedicação constante, mas também gera uma carga emocional que pode levar ao adoecimento do cuidador. Esse processo envolve uma série de complexidades que exigem uma análise aprofundada sobre os efeitos desse cuidado prolongado sobre o cuidador, cujos próprios limites podem ser facilmente ultrapassados.

A pressão psicológica que os cuidadores familiares enfrentam é uma das principais causas do adoecimento. De acordo com Sousa et al. (2019), o estresse, a ansiedade e a depressão são condições comuns entre os cuidadores. O cuidado contínuo pode gerar sentimentos de sobrecarga, frustração e impotência, especialmente quando a expectativa de melhora do paciente se dissipa com o tempo. A incerteza em relação ao futuro e a sensação de que a situação não irá mudar, associada ao desgaste físico e emocional, muitas vezes resulta em sintomas de esgotamento profundo. O cuidador pode começar a experimentar sentimentos de ansiedade constante, incapacidade de lidar com a situação e um distanciamento emocional do paciente, o que pode afetar a relação entre ambos.

Essa incerteza, muitas vezes exacerbada pela ansiedade, também pode gerar uma falsa sensação de que o paciente pode melhorar, o que leva o cuidador a manter esperanças infundadas e, por consequência, tomar atitudes que não são recomendadas. Alimentado pela esperança de que o quadro do paciente possa reverter, o cuidador começa a realizar mudanças nas condutas profissionais estabelecidas, como alterar tratamentos ou questionar medicamentos prescritos pela equipe médica. Pode até solicitar exames ou tratamentos adicionais que não são pertinentes ao quadro clínico do paciente, comprometendo a eficácia do cuidado e gerando confusão no manejo do caso. Esse comportamento, muitas vezes causado pela ansiedade e pela necessidade de controle, pode afetar negativamente tanto o paciente quanto a relação entre o cuidador e a equipe de saúde.

Outro fator psicológico relevante no adoecimento do cuidador é a sensação de obrigação de retribuir o cuidado e o afeto que antes lhe foram dispensados. Muitos cuidadores familiares, ao se verem na posição de cuidar de um ente querido, sentem que precisam devolver, de alguma forma, o amor e os cuidados que receberam ao longo da vida. Essa necessidade de retribuição pode fazer com que o cuidador se dedique de forma excessiva ao paciente, a ponto de abdicar de sua própria vida e bem-estar. Silva e Rodrigues (2018) afirmam que o cuidado prolongado leva muitas vezes à negação da autossuficiência e à diminuição da autoestima, já que o cuidador se vê apenas como um “prestador de cuidados” e não mais como um indivíduo com suas próprias necessidades. Esse sacrifício pessoal pode resultar não apenas em um profundo desgaste emocional, mas também em adoecimento psíquico do cuidador, que chamaremos de “paranoia do cuidado”.

Cuidadores que atendem de forma exacerbada, as necessidades fisiológicas e emocionais constantemente de seus familiares, colocam-se em uma posição de vigilância quase constante. Esse acompanhamento contínuo pode gerar uma espécie de paranoia no cuidador, uma preocupação excessiva com a possibilidade de algo dar errado a qualquer momento. Lima (2020) destaca que esse tipo de vigilância constante pode levar a um estado de alerta elevado e ansioso, o que aumenta o desgaste emocional e físico do cuidador. A sensação de que algo ruim pode acontecer a qualquer momento cria um ciclo de tensão, onde o cuidador se sente incapaz de relaxar ou de se desligar das responsabilidades. Esse estado de alerta constante pode se transformar em um adoecimento psíquico, onde o cuidador começa a buscar por qualquer sinal, por menor que seja, para justificar uma intervenção urgente. Isso resulta em sintomas como insônia, fadiga crônica, ansiedade exacerbada e até distúrbios psicossomáticos mais graves. De acordo com Almeida et al. (2017), o estado de vigilância constante e a hiperresponsabilidade podem resultar em uma sobrecarga psicológica que contribui significativamente para o esgotamento do cuidador, exacerbando ainda mais as suas dificuldades emocionais.

Neste contexto, o apoio da família, de grupos religiosos e da equipe multidisciplinar tem um impacto real e positivo na saúde do cuidador. A presença de familiares que oferecem suporte emocional e ajudam nas tarefas do cuidado pode aliviar a carga do cuidador principal, proporcionando momentos de descanso e recuperação. O apoio espiritual, por meio de grupos religiosos, também pode oferecer uma fonte importante de conforto e força emocional, promovendo uma sensação de pertencimento e esperança. Além disso, a intervenção e a comunicação assertiva dispensada pela equipe multidisciplinar que acompanha o paciente, pode proporcionar o acompanhamento adequado, oferecendo orientações sobre cuidados físicos e emocionais e ajudando o cuidador a lidar com a sobrecarga. Esses recursos podem não apenas melhorar a qualidade do cuidado prestado ao paciente, mas também preservar a saúde e o bem-estar do cuidador, evitando que ele entre em um ciclo de esgotamento e sofrimento.

Escrito por Jianny Melo, Gerente Assistencial e apaixonada por compreender os impactos do cuidado familiar e suas consequências psicológicas.

Bibliografia:
ALMEIDA, R. L.; SILVA, L. S.; COSTA, R. M. O impacto psicológico do cuidador familiar no cuidado de pacientes crônicos. Revista Brasileira de Psicologia da Saúde, v. 15, n. 2, p. 134-142, 2017.
LIMA, M. T. A paranoia do cuidado: A vigilância constante do cuidador familiar. Journal of Health Psychology, v. 25, n. 3, p. 216-225, 2020.
SILVA, A. R.; RODRIGUES, F. L. O adoecimento psíquico dos cuidadores familiares: Um estudo sobre o cuidado de pacientes terminais. Psicologia e Saúde, v. 10, n. 1, p. 101-110, 2018.
SOUSA, A. P.; COSTA, S. R.; LIMA, T. M. Estresse, ansiedade e depressão em cuidadores de pacientes acamados: Um estudo com familiares de pacientes crônicos. Revista Brasileira de Saúde Mental, v. 23, n. 1, p. 78-85, 2019.

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